sexta-feira, 9 de maio de 2014

Atividade no núcleo da Via Láctea pode indicar matéria escura

              




"Excesso de raios gama no centro da galáxia sugere autodestruição de matéria escura"

            SAVANNAH, Georgia – Raios gama vindos do centro da Via Láctea poderiam ser o resultado da colisão de partículas de matéria escura, declaram cientistas. Se esse for o caso, o sinal vislumbrado pelo telescópio espacial Fermi, da Nasa, marcaria a primeira detecção indireta das partículas que compõem a matéria escura, a substância oculta e elusiva que contribui com a maior parte da matéria do universo.
            Em teoria, a quantidade de matéria escura invisível excede em muito a matéria comum presente em estrelas, galáxias e em nós mesmos, mas até agora é impossível medí-la diretamente.
           Pesquisadores já detectaram indícios de sinal de matéria escura no Fermi no passado, mas a nova análise fornece a evidência mais forte já encontrada para um padrão que não pode ser facilmente explicado por outros tipos de atividade galáctica.
             O sinal registrado agora, se vier da matéria escura, indicaria um novo tipo de partícula subatômica, e possivelmente de uma nova força no Universo. “Atualmente, eu o consideraria o sinal mais empolgante que temos com o potencial de realmente ser matéria escura”, declarou o físico Rafael Lang da Purdue University, que não se envolveu no estudo, durante a reunião de abril da American Physical Society, no sábado (dia 5).
             Ainda é possível, no entanto, que essa luz intrigante tenha uma origem mais mundana, como estrelas giratórias chamadas de pulsares. “Eu acho que esse é um sinal convincente da matéria escura, mas sozinho ele não vai convencer ninguém”, brinca Tracy Slatyer do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, uma das coautoras do estudo, que foi enviado para Physical Review D.
           Uma das principais explicações da matéria escura sustenta que ela é composta de partículas massivas de interação fraca (WIMPs, em inglês), que são teóricas mas que até agora não foram detectadas. Acredita-se que as WIMPs sejam suas próprias parceiras de antimatéria, e que portanto destruiriam umas as outras em uma colisão – assim como a matéria e a antimatéria.
         Essas aniquilações de WIMPs produziriam partículas de matéria convencional que por sua vez criariam fótons de alta energia, ou partículas de luz, que poderíamos observar. Como a matéria escura deve ser mais densa no núcleo da Via Láctea, esse é o melhor lugar para procurar aniquilações.
             O telescópio Fermi varre o céu em busca de raios gama de alta energia, e sua última análise mostra de maneira inequívoca que existe mais luz no centro de nossa galáxia que o esperado.
            Ainda que análises anteriores tenham sido inconclusivas, Slatyer e seus colegas encontraram um sinal distinto quando consideraram apenas os fótons que o Fermi poderia usar para medir uma rota confiável de origem, e eliminar os fótons que tivessem direções incertas.
           Com esse conjunto limitado de dados, o Fermi mostra um excesso de fótons espalhados de maneira regular em uma esfera que se estende pelo menos cinco mil anos-luz a partir do centro da Via Láctea. Eles têm energias entre um bilhão e três bilhões de elétron volts (GeV), o que os torna aproximadamente um bilhão de vezes mais energéticos que a luz visível. “É impressionante que esse sinal seja tão simétrico, e ele tem cerca de 10 mil fótons” além do esperado, declara Blas Cabrera, físico da Stanford University que trabalha na Busca Criogênica de Matéria Escura, um dos vários experimentos subterrâneos mundiais que atualmente procuram ocorrências raras de partículas de matéria escura interagindo diretamente com partículas de matéria conheclda.
        Se o sinal realmente for criado pela matéria escura, Slatyer e seus colegas calculam que essas partículas invisíveis teriam entre 30 e 35 vezes a massa do próton, ou entre 30 e 35 GeV.
              Isso intriga Cabrera, que observa que partículas assim já deveriam ter aparecido em experimentos de detecção direta. “Nós já temos a melhor sensibilidade na faixa de 30 GeV”, explica ele. Uma partícula com essa massa também poderia ter aparecido no Grande Colisor de Hádrons (LHC, em inglês), na Suíça. “Se nós realmente estivermos observando matéria escura no interior da galáxia, então o fato de não estarmos detectando essas partículas no LHC ou em experimentos de detecção direta já nos diz algo muito interessante sobre suas interações”.
           Teorias básicas, por exemplo, preveem que partículas de matéria escura devem interagir com partículas normais trocando ou um bóson Z, ou um bóson de Higgs, que são respectivamente associados à força fraca e ao mecanismo que dá massa às partículas.
              Mas experimentos de detecção direta já deveriam ter identificado essas interações se a massa das partículas de matéria escura fosse de aproximadamente 30 GeV. Uma das possibilidades é que a matéria escura esteja interagindo por meio de um novo tipo de partícula intermediária, diferente dos bósons Z ou Higgs, associadas a uma quinta força fundamental desconhecida. “Seria sensacional se, por meio da descoberta da matéria escura, também descobríssemos uma nova força da natureza”, aponta Slatyer.
               Mesmo assim, o sinal do Fermi pode não ter qualquer relação com a matéria escura.O excesso de raios gama também poderia ter origem em pulsares girando tão rápido que realizariam uma rotação a cada milisegundo.
            Acredita-se que os campos magnéticos dessas estrelas acelerem partículas carregadas quase à velocidade da luz, que por sua vez emitem fótons de alta energia no comprimento de onda dos raios gama. Mas existem alguns problemas com essa explicação. “Pulsares de milisegundos produzem mais raios gama em energias mais baixas (abaixo de aproximadamente um GeV) que a observada no centro galáctico”, explica Slavko Bogdanov, especialista em pulsares da Columbia University.
               Além disso, observações do Fermi não identificam um número suficiente de pulsares individuais no centro galáctico para responder pelos raios gama. “Teria que ser um tipo de pulsar que não conhecemos”, comenta Kevork Abazajian, astrônomo da University of California, Irvine, que investigou o sinal do Fermi de maneira independente. De acordo com ele, essa é uma possibilidade distinta: “É mais fácil pensar em uma nova classe de pulsar do que em um tipo completamente novo de matéria”. 
            Um teste mais definitivo seria observar o mesmo excesso de raios gama em algumas das duas dúzias de galáxias-anãs que orbitam a Via Láctea.
           Acredita-se que esses objetos sejam especialmente abundantes em matéria escura. Se essa matéria realmente está sendo aniquilada, isso deve acontecer por lá.
            As galáxias-anãs conhecidas são tênues e difíceis de estudar, e nenhum excesso de luz foi observado até agora. Mas novos observatórios que entrarão em funcionamento em breve poderiam descobrir novas galáxias-anãs para estudar. “Se o mesmo excesso estiver presente na direção de satélites da Via Láctea com a força esperada do sinal, eu me convenceria de que estamos vendo raios gama resultantes da aniquilação de matéria escura”, declara Manoj Kaplinghat da U.C. Irvine que colaborou com Abazajian em seu estudo independente do sinal do Fermi. “É claro que uma detecção direta da matéria escura em um de nossos laboratórios subterrâneos seria o ideal”.

Scientific American Brasil, por Clara Moskowitz


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